11/13/2011

O Herói de Haarlem

( Portuguese)

A versão mais velha de uma suposta história holandesa, conhecida como a lenda de Hans  Brinker conta-se assim:


O Herói de Haarlem

Há muitos anos, vivia em Haarlem, uma das cidades principais da Holanda, um rapazinho gentil com cabelos da cor do sol. O seu pai era um sluicer, um dos homens cuja tarefa era abrir os sluices, que eram os grandes portões de carvalho, que colocados em intervalos regulares nos canais, servem para controlar a entrada da água.
Um sluicer levanta ou baixa o portão consoante a quantidade de água necessária, mas deixa-o fechado durante a noite para evitar que possa haver o perigo de demasiada água no canal, que rapidamente causaria uma cheia na cidade.  Como grande parte da Holanda está abaixo do nivel do mar, as cheias são impedidas através da utilização de grandes diques, ou barreiras, e através destes sluices, que estão sempre sobre grande pressão das marés. Até as crianças pequenas sabem que é preciso vigilância constante sobre o mar e os rios, pois o todo o país ficaria em perigo, e um momento de distração de um sluicer, pode trazer a desgraça a todos.
Numa bonita tarde  de outono, quando o rapaz tinha cerca de oito anos, recebeu autorização dos pais para ir entregar bolos a um homem cego que morava no campo, no outro lado do dique. O rapaz cumpriu a sua tarefa com agrado, e após passar uma hora com o seu velho amigo, despediu-se dele e iniciou o seu regresso a casa.
Ao passear ao longo do canal, ele reparou que as chuvas de outono, tinham feito subir as águas. Mesmo enquanto assobiava a sua descontraida cantiga infantil, ele pensou nos fortes portões do seu pai e sentiu-se aliviado pela sua força, porque pensou “se eles alguma vez rebentarem o que fariam o pai e a mãe? Todos estes bonitos campos seriam cobertos pela águas zangadas –o pai chama-lhes sempre águas zangadas. Acho que ele pensa que estão chateadas com ele por as prender tanto tempo”. E com isto em mente o rapaz parou para apanhar umas bonitas flores que ficavam no seu caminho.  Costumava atirar ao ar algumas sementes  e enquanto as via a flutar pelo ar, por vezes ouvia o barulho de um coelho, fugindo pela relva, e sorria pensando no sorriso que surgia sempre na cara cansada, do seu velho amigo cego.
De repente olhou à sua volta admirado. Não tinha reparado que o sol já se estava a pôr. Viu que a sua longa sombra na erva tinha desaparecido. Estava a ficar cada vez mais escuro e ele estava longe de casa, numa ravina isolada, onde até as flores azuis estavam a ficar a cinzentas. Apressou-se e com o coração acelerado lembrou-se das histórias que lhe contavam quando era pequeno, de crianças que se perdiam em florestas tenebrosas no escuro.  Quando se preparava para correr, ficou supreendido ao ouvir o barulho de água a correr. De onde  vinha? Olhou para cima e viu um pequeno buraco no dique, por onde corria um bocadinho de água.  Qualquer criança na Holanda ficaria assustada com o pensamento de uma racha no dique! O rapaz compreendeu o perigo assim que olhou. Aquele pequeno buraco, se a água continuasse a correr, poderia alargar e pôr em perigo toda aquela região, com um terrivel inundação.
Rápido como um relâmpago ele compreendeu o seu dever. Deitou fora as suas flores, e trepou até chegar ao buraco, colocando  lá o seu dedo gorducho. A água parou! Ah! Pensou ele, com uma gargalhada de encanto, as águas zangadas tem de ficar paradas agora! Não vão afogar Haarlem enquanto eu aqui estiver!
Ao principio até estava a correr bem, mas a noite caía rapidamente. Ventos frios surgiam no ar. O nosso pequeno heroi começou a tremer de medo e de frio. E gritou alto: “Venham! Venham!” mas ninguém apareceu. O ar frio ficou mais intenso, deixou de sentir primeiro o seu dedo e depois a sua mão e o seu braço, e finalmente todo o seu corpo. Gritou de novo “Não vem cá ninguém? Mãe! Mãe!” Mas a sua mãe, já tinha trancado as portas e resolvido zangar-se com ele pela manhã, por ter passado a noite com o seu amigo cego sem autorização. Ele tentou assobiar, talvez algum rapaz mais atrasado o ouvisse, mas os seus dentes tremiam tanto que era impossivel. Então resolveu rezar a Deus para pedir ajuda. E a resposta veio através de uma vontade que lhe veio à cabeça: “Fico aqui até amanhã de manhã!”


A lua da meia noite olhou para a pequena e solitária forma, sentada sobre uma pedra a meio do dique. A sua cabeça estava de lado, mas ele não dormia, de vez em quando, com a outra mão, massajava sem grande efeito o seu braço esticado, que parecia preso ao dique, olhando em lágrimas para qualquer som, imaginado ou real.


Não podemos saber o sofrimento de toda aquela longa e vigilante noite, que terrores e medos se apoderaram do rapaz, enquanto ele pensava na sua cama quente à espera no lar, nos seus pais, irmãos e irmãs, naquela terrível e fria noite. Mas se ele tirasse o dedo, as iradas águas, mais iradas ainda iriam ficar, e não parariam até levarem toda a cidade. Não, ele ia aguentar até que houvesse luz, se sobrevivesse! Não tinha muitas certezas disso. O que era este estranho zumbir? E as facas que o picavam da cabeça aos pés? Nem tinha a certeza de que conseguia tirar o dedo, mesmo que quisesse.

Ao nascer do sol, um padre, que regressava de uma noite a acompanhar um doente, pensou ouvir gemidos enquanto andava por cima do dique e ao dobrar-se viu uma criança, aparentemente cheia de dores.
“Em nome de Deus, que fazes rapaz?” Exclamou “Que estás a fazer aí?

“Estou a impedir a água de passar” Foi a simples resposta do nosso pequeno heroi. “Diz a alguém para vir rápido”

Não é preciso dizer, que todos os habitantes foram a correr.